Introdução
Nos últimos tempos assistiu-se a um maior interesse e desenvolvimento do conhecimento humano a nível das atitudes/comportamentos. Conhecimento este, que pressupõe um trabalho de contínua pesquisa e interligação dos factos em períodos distintos , atendendo ao nível etário e onde se procura que o antes sirva para compreender o presente e projectar o futuro, tendo sempre como referência o Homem e o seu contexto social.
A faixa etária dos 0 aos 2 anos, tornou-se de uma dupla validade, por um lado proporciona um estudo comparativo entre a nossa função de Mães exercida de modo empírico e o saber teórico, bem fundamentado, considerado uma mais-valia na intervenção de todos os que partilham o seu dia-a-dia com crianças desta faixa etária. Por outro, permite nos uma correcção e reajuste a nível de atitudes e saberes com os nossos netos.
È nesta tomada de consciência, de que nem sempre se fez o mais correcto, mas o possível da altura , que pretendemos capacitarmo-nos com um saber maior, e mais adequado às actuais situações que nos perspectivam mais eficazes e interventivos quer profissionalmente quer como cidadãos de um modo geral e em particular no âmbito familiar.
A Vinculação do 0 aos 2 anos
São muitas as teorias sobre a vinculação nesta faixa etária. Começamos por referir num âmbito global, a vinculação nos seres vivos “ como o conjunto dos processos que permitem a uma espécie manter e fortalecer a sua posição nos seus meios de vida habituais” , em relação ao Homem Bowlby postula a existência “ de comportamentos preformados responsáveis pela vinculação do bebé à mãe” e reciprocamente , baseia-se nos conceitos dominantes do neodarwinismo e da etologia objectivista em particular no conceito de adaptação.
A criança quando nasce tem já competências sensoriais e perceptivas, a partir das quais forma a sua vinculação ao meio social. Os neurofisiologistas e os especialistas do desenvolvimento da criança afirmaram durante muito tempo,” que o recém-nascido apenas podia ter uma visão ligeira ou limitada à percepção grosseira dos contornos e dos contrastes, devido à imaturidade da retina” a fóvea, não se apresenta como uma depressão acentuada e é formada apenas por uma única camada de cones truncados e pouco desenvolvidos, enquanto a fóvea da retina do adulto é constituída por várias camadas de cones. É apenas por volta do primeiro ano que a retina da criança se apresenta muito desenvolvida.
As competências da visão, quando o bebe nasce é diminuta “ a apresentação de um rosto humano de frente desencadeava o sorriso de um bebe de 3 ou 4 meses (...) em contrapartida o sorriso do bebe desaparece quando se apresenta o rosto de perfil” . As reacções de medo e ansiedade desenvolvem-se por volta do oitavo mês. o estudo experimental , muito esmerado de Carpenter (1975) é provavelmente, o primeiro que mostra as capacidades de discriminação precoce do bebé em relação à mãe. Deitados de costas, bebés com duas semanas são colocados em frente de uma espécie de painel atravessado por uma abertura. Por meio de uma cara que pode aparecer ou desaparecer na abertura com ou sem palavras, o bebé é confrontado com seis situações experimentais:
1. A apresentação silenciosa da cara da mãe;
2. A apresentação silenciosa da cara de outra mulher;
3. A apresentação da cara da mãe que lhe fala;
4. A apresentação da cara da mulher estranha que lhe fala;
5. A apresentação da cara da mãe enquanto se faz ouvir a voz da outra mulher,
6. A apresentação da cara da mulher enquanto se faz ouvir a mãe.
A situação 1 e sobretudo a 3, são as mais “atractivas”; os bebés olham mais demoradamente a cara da mãe, quando simultaneamente , se faz ouvir a sua voz e de maneira menos significativa quando a cara da mãe lhes é apresentada em “silêncio” do que quando se trata da cara de outra mulher associada (situação 4) ou não ( situação 2) à voz dessa mulher. Nesta experiência torna-se claro que o bebé identifica a partir das duas semanas, a voz da mãe e também a cara, leva-nos ainda a concluir que constrói uma percepção global da mãe e também da acústica.
As capacidades de comunicar entre o bebé e a mãe “tem um efeito imediato nas estruturas nervosas que asseguram a coordenação entre as expressões faciais, os sistemas vocais e os movimentos das mãos do bebé” . Trevarthen, mostra que o ritmo e o conteúdo das “conversas”, os movimentos corporais e os toques são manifestações determinantes neste processo de vinculação.
Tendo presente, a experiência feita num recém-nascido em que se colocou junto dele um tampão em gaze que propagava um odor intenso e um outro tampão de gaze neutro ou outro que propagava um odor semelhante ao da mãe. Depois de várias mudanças de posição do bebé e após várias horas obtiveram-se os seguintes resultados originais:
1. Desde o terceiro dia pelo menos o bebé consegue descriminar o odor do seio maternal em relação ao odor homólogo de outra mãe, que tenha um bebé da mesma idade, e em relação de um tampão de gaze isento de qualquer odor específico,
2. Ele discrimina tão bem o odor do pescoço materno como o odor do seio maternal em relação aos odores do pescoço e do seio de outra mãe. Consequentemente, as competências olfactivas do bebé, em relação aos odores maternos são mais precoces do que mostraram os estudos de Macfarlane. É possível que se apresentem ainda mais cedo, podendo o método utilizado não convir ao estudo de bebés com menos de três dias.
Comum á maior parte dos outros mamíferos, a vinculação olfactiva é “o teclado no qual o bebé, em contacto tranquilizante com o corpo materno, constrói as suas escalas” Pode assim desenvolver-se a sinfonia de interacção e da comunicação com a mãe , a combinação c om outras componentes metódicas como o olhar, as mímicas, o sorriso, a voz, as vocalizações, os toques, o calor e as pressões musculares.
Há outros estudos e investigadores que atribuem ao bábé competências inatas que são chamadas de prefomances, precodificadas ou pré-existentes, isto é presentes no ovo e codificadas na estrutura de genes específicos transmitidos pelos pais . Admite-se ao mesmo tempo que a mãe tem competência para reconhecer os estados emocionais do seu bebé e capacidade de resposta apropriada.
É oportuno realçar a diversidade das fontes e mecanismos que pode intervir na vinculação do bebé à mãe e de forma mais geral ao seu meio social.
Não se pode excluir nenhum deles, mesmo que por vezes nos faltem provas quanto à existência de um ou outro.
Parece-nos que é importante sublinhar que mesmo quando as fontes genéticas de vinculação e de interacção se encontram ausentes, incompletas ou desviadas, o bebé dispõe de tais competências para perceber e aprender que pode sempre estabelecer, restabelecer ou reforçar laços fortes e particulares com outra pessoa seja por habituações e condicionamentos, seja por transferência de informações seja por outros mecanismos. Por conseguinte, mesmo admitindo a existência no bebé de competências prefomadas, para reconhecer informações tipicamente humanas (voz,olhar,sorrisos, emoções, etc.) porque estas se harmonizam com as informações que não as transmitidas pelo olhar da mãe, ou ainda, se tem uma mãe surda-muda, ele pode basear-se nas informações que não são transmitidas pelo discurso.
No que se refere às possibilidades do bebé se vincular a outra pessoa que não a mãe, Sander (1961) verificou que um bebé pode efectivamente vincular-se a outra pessoa, por exemplo uma puericultora, quando a mãe biológica não se encontre presente, a tal ponto que 10 dias após ter sido confiado à mãe substituta ele apresenta sinais de perturbação quando esta é substituída por outra puericultora. É também o que sugerem as observações efectuadas em instituições que recebem bebés abandonados e nas famílias que acolhem bebés cuja mãe já não está disponível por exemplo, em caso de morte ou hospitalização. Mas, como o bebé foi influenciado por informações que recebeu da mãe, no estado fatal e após o nascimento, podemos interrogarmo-nos sobre o comportamento e alterações psicológicas que ele apresenta em respostas a pessoas estranhas, quando já não dispõe de sinais de referência maternas.
As novas aprendizagens que põe em prática perante a pessoa de substituição implicará que ele suprima rapidamente e completamente as informações que recebeu ou que as memorize.
Depois de efectuada a adopção, da verdadeira dimensão, decisão de pessoas com vontade de desenvolver laços de interacção, seja qual for a sua aparência, o seu comportamento e o handicap inicial do bebé. Pode construir-se assim uma mútua vinculação entre o bebé e a mãe adoptiva e depois com os outros membros da família.
Os bebés prematuros, devido à sua fragilidade e às questões éticas que daí decorrem não se conhece especificamente informações visuais, auditivas, olfactivas, gustativas e tácteis da mãe que pode ser descriminadas e percebidas por um bebé prematuro com este ou outro tempo de gestação. Contudo potencialmente tem competências perceptivas, aos oito meses de gestação. Seria valioso saber como parecem as interacções entre o bebé prematuro e a mão e em que idade cronológica se desenvolve o diálogo face a face como refere Trevorthen há ainda a referir outras vinculações que têm sido menosprezadas, as competências da criança para comunicar e as suas possibilidades de vinculação a outras pessoas para além da mãe. A criança consegue, muito antes do fim do primeiro ano, estabelecer ou restabelecer formas variadas de interacção com outras crianças da mesma idade, quando se encontra separada da mãe e da família, sem cingir-se à sua angústia.
Há ainda a considerar o conceito de organizador, vinculação” , referindo as solicitações com o olhar, posturas corporais e não encontram-se já presentes nos grupos de crianças dos seis aos oito meses de idade. Embora os isolamentos predominarem, intimamente em relação às outras categorias comportamentais que distinguimos, é um facto que as crianças manifestam nessa altura um interesse visual e mental pelo rosto dos companheiros de jogos e não apenas pelos objectos que estes seguram.
É durante o segundo ano que a procura activa do olhar das outras crianças ocupa um lugar cada vez mais importante nas interacções. Frequentemente combinado com posturas características em particular a inclinação lateral da cabeça ou do busto, o contacto olhos nos olhos mostra-se agora essencial no comando da orientação da atenção visual e dos comportamentos do outro e não apenas na solicitação do objecto que ele possui. Esta dupla solicitação visual e postural tem mais fortes probabilidades de ser seguido pela suspensão dos choros, pela aceitação mútua da presença do outro, por ofertas, por imitações por cooperações no transporte ou na manipulação de objectos. Assim, contrariamente às afirmações de Muellr e Lucas (1975) as interacções nos grupos de crianças consideradas como um simples subproduto dos contactos centralizados nos objectos. Elas existem como tal desde o fim do primeiro ano, pelo menos em algumas crianças. As solicitações pelo olhar e as posturas corporais duplicam-se e complementam-se como solicitações manuais primeiramente com a mãe em promoção depois, a partir do primeiro ano, um plano vertical ou oblíquo, por fim com a mãe em suspiração a partir do segundo ano. As próprias solicitações manuais manifestam-se quase sempre em relação a uma pessoa (crianças da mesma idade, crianças com idades diferentes, adultos) que separa um objecto.
Há ainda a considerar os casos patológicos, em que os encadeamentos melhores que constituem os actos de apropriação aos comportamentos de solicitação e exploração do corpo dos outros não são desencadeados como anteriormente referidos.
Conclusão
A noção de vinculação apresentada por Bowlby revolucionou as concepções sobre a primeira infância.
Os laços que unem o bebé e a mãe já não estão envoltos em mistério, as competências permitem o seu estabelecimento e são cada vez melhor analisadas.
As mímicas, o olhar, o sorriso, as posturas, os gestos, os contactos, a voz ganham progressivamente sentido, tornam-se mensagens, trocam conhecimentos e emoções. A criança aprende a decifrar os estados e as intenções da mãe, a distinguir as pessoas, a adaptar o seu comportamento aos objectos. Desenvolve uma percepção integrada dos seres e das coisas, descobre que pode agir sobre uns e outros. Desde o seu nascimento que a criança é uma totalidade complexa. Um ser biológico cujo desenvolvimento segura uma dinâmica geneticamente programado, mas as suas competências, tanto inatas como adquiridas, fazem dela uma pessoa em perpetua aprendizagem, enfim revelam-se indivíduos sociais; são sujeitos que a partir da primeira vinculação, tecem em sistema de laços, uma rede sólida que suporta todas as construções sociais anteriores e que permitirá à criança adaptar-se às novas situações novas, complexas imprevistas.
São muitas as teorias sobre a vinculação nesta faixa etária. Começamos por referir num âmbito global, nos seres, como refere